quinta-feira, 14 de junho de 2012

SP: Quintas (63)

DANÇANDO NO TEMPO


Quando a valsa surgiu causou um escândalo. Como era possível tal coisa? Homem e mulher dançarem tão próximos? Furor. Assombro. Assim aconteceu.
O tempo seguiu e eles continuaram dançando. Boleros, sambas. Veio o twist, o Rock And Roll, e chegou a época em que homens e mulheres passaram a não dançar juntos.
Num determinado momento, foi importante a liberdade de movimentos. A música trouxe isso, participou da revolução da juventude, que finalmente mostrou como virar uma página da história.
Jovem é a delícia de transformar o mundo, remover pedras patriarcais, engrandecer a consciência, cutucar de verdade, instigar, revolucionar, por isso é conveniente idiotizá-lo, mantê-lo alienado. Todo sistema opressivo tem pavor de jovens.
Adolescente sente as dores primeiro, sente de forma intensificada as dores do mundo. Ocorre que é melhor para o sistema mantê-lo como "aborrecente". Há uma comunicação anti-dialógica (Peço compreensão, mas estou cedendo ao hífen, sempre. Sei que não é uma atitude exemplar, pois homens por demais ilustres impuseram com sabedoria acadêmica uma reforma ortográfica tão essencial para unir países separados pelo Atlântico...), entre a escola, por exemplo, e os jovens. É sempre bom lembrar que ela é sim a alma da sociedade, é nela que as sementes da mudança poderiam surgir.
Tudo resultou na simbologia da liberdade. O corpo virou prioridade, celebridade de si. Libertou-se do corpo. Do outro. Tornou-se a sua festa de si.
Todos devemos muito a ele. Que seguiu os embalos da alma que em si não mais cabia.
Inegável a importância do corpo em sua decisão de dançar sozinho, da libertação dos movimentos. As circunstâncias modificam-se, tornam-se como sempre, senhoras da vida. Assim foi, e sempre será. A circunstância é a dama, às vezes, de ferro. Teremos que banhar nossos olhos no riacho da gratidão para os jovens com suas canções, que participaram de algo grandioso que estava explodindo.
Depois das conquistas, depois da revolução, o acomodamento, e até ouvimos uma certa canção tão importante do Pink Floyd transformada em propaganda da Coca - Cola, e o batuque sem sentido, sem fulgor, das crianças das periferias.
A natureza do acomodamento é morrer em si. E surgiu o que de forma audaciosa pode ser chamado de contra-revolução, (se me permitem o hífen), que é o ritmo das idiotizantes letras com alto índice de desvalorização da mulher, só para citar um item.
Tem muito desrespeito. Preservar a letra da canção é um zelo, um cuidado, um esmero do bem viver, é garantir a felicidade das crianças.
Letras ofensivas contra a mulher é um dos primeiros sinais de decadência de uma sociedade, em seus valores culturais. O empobrecimento cultural segue degraus, graus. Vai aos poucos se consolidando no falso cintilar.
Por outro lado, a época muda, adquire seu novo rosto, seus contornos a cada dia florescem, cada amanhecer merece uma nova página de jornal. O que era num momento não cabe mais em outro. Artistas populares do Brasil vangloriavam-se de que fumavam maconha, de que usavam drogas, assim como também ídolos internacionais. Isso não cabe atualmente. A droga perdeu o seu charme de revolucionária, sua alma de liberdade, tornou-se uma droga.
Discursos tidos como progressistas hoje seriam considerados altamente prejudiciais. Nenhum setor aceita a baboseira de alguns ídolos no passado, como declarar que drogavam-se, embora naqueles dias, tal coisa tivesse algum sentido.
A "democratização" da cultura, o "protagonismo juvenil", cada idiossincrasia, cada falácia, aprofundou a cada dia os entrelaçamentos do desmoronamento cultural. Isso se torna mais visível na dança dos corpos separados. Já não é mais fascinante e gracioso o que era antes. O tempo passou a clamar por urgências.
A elegância, a força das primeiras audácias, o twist, e outros ritmos, hoje são registros de uma época de busca de liberdade, tão importante, que garantiram o grau máximo de liberdade de expressão, tão essencial na construção de uma sociedade igualitária, embora tenhamos que passar por essa fase, em que compositores escrevem letras perigosas, nas quais mulheres, parceiras, são chamadas de cachorras, para ficar em exemplos mansos.
Atualmente, a ousadia de uma afirmação pode ser considerada uma posição ultrapassada, antiga, e até "reacionária " dos costumes, mas quem nasceu de atrevido sabe que deve chacoalhar sempre as consciências, e expôr o impensável, a alternativa esquecida.
Só homens e mulheres dançando juntos podem salvar o tempo.
Salvar o tempo é salvar o planeta. A volta ao corpo, retorno regido por uma nova consciência: o corpo não será mais prisioneiro, nem de si, nem de outro. O corpo procurará o corpo, pois homem só é feliz ao lado da mulher, e vice-versa; o sexo há de retornar ao prazer estético do coração.
Prazer estético do coração quer dizer: usufruir da alegria de estar com o outro. Não é uma volta ao romantismo clássico, mas ao romantismo que sempre esteve presente: homens e mulheres estão mais arejados, intelectualmente falando, e saberão que além das ideias que sustentaram pilares seculares de opressão, estão livres para o amor, e isso começa na dança.
A aproximação inefável é a do rosto colado ao rosto. Respiração ao ouvido, batimento cardíaco, pulsação na balada.
O que o homem quer, o que a mulher quer, é tão pouco. Apenas ser feliz ao lado do outro. Tal afirmação nada tem a ver com a defesa de casamento ou qualquer outra instituição que a cultura inventou para segurar a natureza.
Na reconstrução do pensamento musical, quanto mais mulheres compositoras surgirem, melhor. Quantas mais Pittys melhor. Com suas letras criativas e inteligentes. Equalize, por favor.
Bom notar que dançar sozinho, corpo solto no espaço, profusão de gestos, já foi o mais rico exemplo de liberdade, mas o homem e a mulher se procurarem para juntar os corpos numa dança pode salvar a época. Pois não temos profusão de versos elegantes. E isso é necessário. A elegância, a polidez, o requinte, a beleza, serão atributos sempre necessários.
E a evolução desaguaria na sincronização mais requintada: não mais, como nos bailes antigos, apenas o homem retirar ou convidar a mulher para a dança. Mas ela sim também convidando um parceiro de baile para dançar. 
Finalizando: o exemplo mais rico de liberdade foi danificado. Então, urge o retorno do casal na dança. E quando homens e mulheres voltarem a dançar juntos, o mundo sofrerá um acréscimo de felicidade, tão necessário nos dias atuais, de letras ásperas.
Em suma, casais dançando aperfeiçoam o mundo.


Marciano Vasques

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