sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

SP: Quintas (47)

Marciano Vasques
   

ARTE QUE SE DIZ ARTE

Que distância pressinto na relação estética para com a vida no cotidiano!

A arte e a cultura estão distantes sem ao menos se darem conta de que faz parte da vida a busca pela estética, pela arte.

A arte não precisa ser transformada a ponto de se tornar uma não-arte, uma arte sem o compromisso com a estética, não pode se emaranhar num certo equívoco da arte contemporânea ou de seu entendimento consensual, que, supõe-se,  exposta tenta dizer o nada. Incapaz de provocar e de comover, apenas consolida o equívoco.

Qualquer arte subserviente atende à pretensa elite, a que detém os poderes dentro de instituições e forja um gosto estético vazio, oco, para o nada. Acompanha em sua pose, em seu cume, em sua altura, o padrão cultural da música na rádio e na televisão, com a agravante de ostentar os títulos de arte e de intelectual.

A beleza não tem um padrão único. A Xuxa loira, que muitos acham um padrão bonito, é apenas um padrão de beleza, entre tantos.
Acontece isso também: se você não vai ao cinema, tudo bem. Se não vai ao teatro, tudo bem. Se não vai à exposição, tudo bem. Se não vai não tem importância.Tanto faz ir ou não ir, você sobrevive do mesmo jeito, não faz falta. Não causa angústia ir ou não ir.

Você não vive sem alimentar o corpo, mas vive sem ir à exposição, ao museu, ao teatro, ao cinema.
Há um placebo, que está em sua própria casa. 

O placebo é eficaz. Na medicina produz resultados satisfatórios, em casa a televisão é o placebo que produz resultado, quando aplicado numa sociedade mentalmente enferma.

Mentalmente enferma porque não vai ao cinema e não sente falta, não fica angustiada, não vai ao teatro, ao museu, à exposição, não participa, não vibra, não está lá, e não sofre por isso, vive tranqüilamente sem essas coisas. E tome televisão. E tome vídeo-locadora!

Não que a televisão seja um mal em si. Não é. É um grande bem na busca da humanidade pela comunicação. O mal está no fato de a televisão substituir integralmente a possibilidade de acesso à cultura. Você não vai ao teatro, à exposição de arte, ao sarau poético, mas está no sofá, e tem à sua disposição o Faustão, o Gugu Liberato, o João Kleber, o Sergio Mallandro, o Silvio Santos, o Raul Gil...

A cultura que não funciona com controle remoto, essa está lá, aonde você não vai, está nas ruas, nas praças, nos teatros, na sala escura...

Talvez uma pauta do olhar seja o que falta. A arte, a cultura, é o grande acervo da vida. Humanos são feitos de memória e a memória vem via afeto, ela pega pelo sensível, e o sensível está na arte, é nela que o olhar repousa, a audição... 

A arte é a própria memória humana, é a extensão humana na memória que se tornou obra.

Valiosa é a vida. Por isso é importante você cooperar pela sobrevivência da espécie. Cooperar: a importância de cooperar no mundo, cooperar é estar lá, onde a arte chama, ouvir o chamamento. É operar em conjunto. A arte lapida o sentir, o exercício de ouvir, a prioridade de ouvir; isso tudo a música oferece. A prioridade do olhar; isso tudo a arte oferece.

A arte também é nutrição.Tem a mesma importância da maçã e do jiló para o corpo. Se não alimenta a alma, significa que fala para o nada.

Nós, que vivemos a época da infantilização (veja Big Brother- adultos brincando de jogo simbólico), onde vigora a eterna busca pela permanência na juventude ao lado da banalização do adulto e ouvimos pessoas que temem se confessar ou se comportar como adultos. Nós, que nem sequer vamos onde a arte está (O povo tem que ir onde o artista está!), nós que nem sequer compreendemos que a história humana está escrita nos livros, (que recebeu um enorme apoio do cinema, do teatro, da fotografia e outros), nós, que nem compreendemos o fulcro da vida na arte, nem podemos compreender o quanto a arte está ao lado da Educação.

Falando em Educação, pela primeira vez penso no filme Os Invasores de Corpos não apenas como uma metáfora política, mas como uma metáfora da Educação. 

Quando me ponho a escrever sei que a minha escrita não tem um rumo. Sinto necessidade de falar de coisas e por isso termino com a Educação, que a cada dia, nas escolas, burocratiza o outro, instituindo o relacionamento brutal.

O outro não pode ser burocratizado, em hipótese alguma. Para evitar que isso aconteça, seria bom se através da Educação pudéssemos chegar à arte, não arte desvinculada da vida cotidiana, não também no sentido de abandono da estética, ou no sentido do afrouxamento das exigências do olhar.

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