quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SP: Vice-Versa de Outubro de 2009

O Vice-Versa de Outubro traz para o blog Paulista, as entrevistas de César Obeid e Regina Gulla.


Regina Gulla

César Obeid


César Obeid entrevista Regina Gulla: 


César Obeid: Cara Regina, agora é a minha vez! Tem gente que acredita que a habilidade para escrever é um dom e que isso não se aprende... 
Eu e você somos pessoas que ministramos oficinas de criação literária. Eu mesmo já vi muita gente fazer belos textos. Então nos conte da sua Biblioteca de “inventação” interativa on line, Biliga! 

Regina Gulla: César, eu penso que os dons dons, se é que os temos, quando não desenvolvidos, trabalhados, exercitados, para quê carregá-los?
E se não for por eles, por que não desenvolvermos a capacidade criativa da nossa inteligência? A minha experiência com a oficina literária de adultos nasceu de alguns anos com oficina de arte com crianças, e com elas aprendi que criar histórias e poemas dependia mais de motivação, de vontade, do que de dom.
A Biliga, é o resultado dessa experiência de abrir as portas para o exercício criativo de escrever, de conduzir a imaginação através das palavras, ou as palavras através da imaginação, dá no mesmo, não é?

César Obeid: Durante 23 anos você trabalhou com atendimentos psicológicos em clínica. Como essa experiência, de troca com seus pacientes, influencia a sua escrita? 

Regina Gulla: Olha, César, eu não sei quem foi o ovo, quem foi a galinha, na minha história, se a clinica ou a literatura. Veja bem, a minha geração cresceu lendo Dostoievski, Tolstoy, Cronin, eram os livros que havia em casa, e de certa forma nos levaram a uma certa compreensão humana. Acho que daí, desse mundo de vidas escritas tão densamente (junto com a percepção das minhas próprias angústias), é que eu fui atraída pela clínica. Depois me voltei definitivamente para a literatura, onde tudo que vivemos, cá e lá, penso eu, é fonte de onde surge essa preciosa matéria imaginativa para nossa escrita... E do nosso canto, não é mesmo, César?

César Obeid: Vamos falar de um assunto que eu gosto muito também; transcrição de texto literário em teatro. O que um texto precisa ter para ser possível esta transcrição? E mais, quais são os textos que não servem para serem encenados?

Regina Gulla: Pois é, o teatro não é muito minha praia, embora eu tenha feito minha tentativas dramatúrgicas, sabe, César. Mas eu penso que se o dramaturgo consegue fazer viver a história que foi narrada em livro, se a história se sustenta com a ausência do narrador, então o dramaturgo e a história têm alguma chance. Veja, difícil encenar qualquer texto em que a história esteja circunscrita à linguagem literária. Até hoje eu não entendo, por exemplo, que passe de mágica foi dado para que um diretor de cinema conseguisse trazer o Lavoura Arcaica, do Raduan Nassar para as telas, por exemplo. 

César Obeid: O seu ateliê literário e artístico, Gato de Máscara, funciona na Vila Madalena, região de grande diversidade cultural da capital paulista. É dali que saem suas obras visuais e escritas ou são das lembranças guardadas bem no fundo do coração? Aproveite a última pergunta para falar o que tiver vontade, até fazer uma rima para Biliga! Foi um prazer prosear contigo. 

Regina Gulla: O prazer é meu, César, de poder levar uma conversa espontânea, por esse meio viceversado do querido Vice-Versa, com a mediação da Regina. É uma comunicação eletrônica? Puxa, parece até uma salinha com tapete de crochê e café fresco, numa vila encrustada nas ruas de nossa memória.
Não é não? A gente que é escritor, tem hora que chega a não saber em qual endereço a gente mora, e a Vila Madalena me dá essa chance de matizar a vila da imaginação, da memória, com o lugar onde moro. Sabe, uma lembrança a que essa conversa com você me leva a pescar – nesse mar de tumultos que é o coração– é a do meu vizinho, amigo na adolescência, que me chamava no muro para fazer rimas e estudar tabuada. Era o melhor jeito de fazer o muro entre as nossas casas cair por terra.
Valeu, César.


Regina Gulla entrevista César Obeid 


Oi, César, acabo de começar uma conversinha com você, depois de assistir seus vídeos (que amei, passei os endereços para meus netos e outros amigos) e quero te passar o que me ocorre, nesta tarde de sábado em que o sol surge todo alegre, depois das fortes chuvas.

Regina Gula: César, levei um tempo para compreender que a escrita poética é música letrada, palavreada, que anda de mãos dadas com as imaginação. E, assistindo seus vídeos, eu vi um homem que resolveu morar nesse mundo poético, seja expresso na voz falada, cantada, seja na escrita. E que resolveu professá-lo.
Me diz, poema, para você, é palavra cantada?

César Obeid: Olha, Regina, imagino o poema como sendo a palavra dita, bem pronunciada, com pausas, intenções e respirações. Pode ser palavra cantada também, mas precisa de pausas, sempre. Poesia sem pausa perde a graça. 
Eu utilizo o canto improvisado, feito ao som da viola repentista, são poucos acordes que dão suporte ao calor e a rapidez da improvisação. O humor e a brincadeira são meus vizinhos que me visitam nessa hora, é um barato. 
O improviso e a escrita, mesmo oral, são formas de expressão poéticas bem distintas, como não consigo ter preferência por uma delas, eu fico com as duas. 

Regina Gula: *Ao observar seu noivado com o cordel, fico me perguntando o que será que a íntima relação com essa linguagem veio trazendo para sua experiência pessoal, seu modo de experimentar a vida, a comunicação com as pessoas ... Me conta?

César Obeid: Ótima pergunta! Eu diria que, o meu caso com o cordel, já deu até em casamento com dez filhos. Até o final de 2009, serão 10 livros publicados em versos de cordel. Foram mais de doze anos exclusivos dedicados ao estudo, à pesquisa e à difusão da poesia popular. Há dois anos, senti necessidade de experimentar a escrita em outros gêneros e também estou encantado com essas novas descobertas literárias. 
O cordel, na minha vida pessoal, só me trouxe alegrias. Comecei o trabalho com o cordel e o repente em uma época em que as pessoas nem sabiam direito o que eram essas manifestações. Acho que nem eu sabia bem o que era, mas sentia que precisava trabalhar com isso. Insisti, aprendi, ensinei, escrevi, contei e cantei essas rimas com o coração aberto e só tive ótimos retornos; financeiros, emocionais e pessoais. Sou eternamente grato ao cordel, ao repente e, principalmente, aos poetas populares, meus verdadeiros mestres. 

Regina Gulla: E, ainda, uma curiosidade me fica: como é que é que a experiência com o cordel foi afetando sua expressão, como autor? (Sim, pois me parece que se trata de afeto, a relação do cordel com você e sua com ele... Muito próxima do casamento.)

César Obeid: Eu vejo o cordel como uma forma de expressão oral e literária, mas o que motiva o conteúdo da minha produção são as minhas vontades, meus anseios e desejos. Observando tudo o que escrevi, claramente, eu vejo fases da minha vida. Não posso deixar de citar o teatro como outra influência na minha obra. Acho também que o cordel, como gênero, me motiva a buscar rimas sonoras para os poemas e brincadeiras com as palavras. 

Regina Gulla: Observo, aqui na oficina literária que oriento, um certo preconceito com as RIMAS, essas incríveis analogias sonoras. E, Ufa!, como me custa reintroduzir a repetição do som na escrita das pessoas, no poema. É como se, a partir da proposta libertária em relação às formas anteriores, pelo Movimento dos Modernistas, lá por 1922, a rima, a métrica, a forma (fôrma) fossem vistas como uma espécie de prisão para a criatividade que se almeja no fazer poético, como um impedimento para as descobertas que emergem no meio (midium) do poema.
Minha pergunta é: é possível relegar a RIMA e a Métrica ao limbo e se obter (ou para se obter), das palavras, boa poesia?

César Obeid: Claro que sim, basta olhar a obra de grandes poetas que fizeram lindos poemas sem rimas, para crianças ou adultos. Deve ser muito mais difícil fazer um bom poema sem rima... 
Mas, por outro lado, o uso da rima não é um fator decisivo para classificar um bom poema ou não. O mais importante é a veracidade com que o autor nos conduz, quais são as imagens que ele constrói, qual é o ritmo e a música que ele nos oferta.
O cordel, como um gênero literário, que leva a utilização da rima ao extremo, me deu várias possibilidades para aprofundar e experimentar o seu uso. Eu, particularmente, gosto de rimar, acho que a combinação do som oferece um bom apoio seja à narrativa ou ao poema. 
Nos meus primeiros cordéis escritos, eu busquei rimas bem complexas, rimas em substantivos, em adjetivos, rimas em plural, etc. Eu achava que valorizaria muito mais o texto. Mas, depois de um tempo, vi que não faz tanta diferença a complexidade das rimas e sim, se ela é o apoio ideal para a mensagem do poema, que é mais importante.


Um comentário:


Elaine Barnes7 de outubro de 2009 04:56
Adorei esse blog.No passado trabalhei em uma escola infantil como inspetora de alunos. Comecei a escrever estorinhas(as professoras corrigiam pra mim) e lia para as crianças. Elas gostavam muito.Certo dia fui a um concurso de poesia e conheci o dono de uma editora para principiantes. Publicamos um livro " O Rei que Sorria". Paguei, eu tinha que vender a metade dos exemplares e a metade que ele tinha que vender também,ficou lá na editora(não fizeram nada que prometeram, me lasquei pra pagar).Enfim, desisti.Bem, quero ler tudo que tem aqui. Gostei muito.bjão!

Nenhum comentário:

Postar um comentário