quinta-feira, 31 de julho de 2008

RJ: AEILIJ no Fórum Literatura na Escola 2008



A partir de um documento apresentado pela AEILIJ e da convocação da Câmara Setorial do Livro, Literatura e Leitura, dos Ministérios da Educação e da Cultura, organizados pelo Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL -, cerca de 70 pessoas – especialistas do setor, representantes das cadeias criativa, produtiva e distributiva, representantes de professores e bibliotecários – reuniram-se durante os dias 24 e 25 de julho no auditório do MEC em Brasília, para debater o tema LITERATURA NA ESCOLA. Contando com a colaboração de experiências do Brasil, da Argentina e do Chile, o programa foi dinâmico e enriquecedor ao proporcionar reflexões e diretrizes importantes para o tema em debate. Certamente, como afirmou a Secretária da Secretaria de Educação Básica, Professora Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, não ficará apenas circunscrito àquele Fórum, mas será um instrumento importante como subsídio ao desenvolvimento das políticas de leitura do MEC.Realizado dentro dos parâmetros ideais do PNLL – busca do consenso, livre debate, atuação conjunta de todas as cadeias do livro – o Fórum, apesar de não ser uma instância deliberativa, redigiu algumas recomendações que sintetizam as principais conclusões dos dois dias de trabalho.
Fonte: 28/7/2008 - Informe do PNLL

Texto apresentado no Fórum Literatura nas Escolas – Brasília, 24 e 25 de julho de 2008:

Novas reflexões sobre um espaço especial para a literatura na escola

A Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil não tem se posicionado em favor da desescolarização da literatura, mas sim em favor de um espaço especial para a literatura na escola. Mas o que seria esse espaço especial? Não falamos aqui apenas de um espaço físico, mas de uma mudança de postura em relação ao trabalho que vem sendo desenvolvido nas escolas em relação à literatura.
Não é nossa intenção brigar, polemizar ou, muito menos, criticar o que vem sendo feito. Queremos trazer nossa contribuição para ampliar e melhorar o trabalho em relação ao livro literário e a formação do leitor.
Queremos, antes de qualquer coisa, reiterar o que já dissemos no nosso documento Por um espaço especial para a literatura nas escolas (que todos têm em mãos), entretanto, por outro lado, estamos aqui para apresentar algumas propostas que poderão contribuir para um resultado mais efetivo na meta de formação de leitores.
Já está provado que trabalhar com literatura de forma autoritária e usá-la como pretexto para deveres e tarefas escolares não forma leitor. Pensamos que uma nova visão em relação ao livro e a literatura deve ser levada em consideração. Uma visão muito mais simples do que se possa imaginar, e econômica inclusive, uma vez que não precisa de nenhum suporte tecnológico, apenas humano.
Para garantir êxito quanto à formação de um leitor que ultrapasse os muros escolares, é fundamental um mediador de leitura comprometido. E, atualmente, no Brasil, temos poucos mediadores verdadeiramente comprometidos com o livro literário. E é preciso formar este mediador. Pois como nos diz Michèle Petit em seu livro Os jovens e a leitura, uma nova perspectiva: “Para transmitir o amor pela leitura, e acima de tudo pela leitura de obras literárias, é necessário que se tenha experimentado esse amor”. Assim sendo, precisamos urgentemente fornecer ferramentas para garantir que esse mediador seja capaz de fazer pontes entre os livros e os jovens.
Vale aqui uma consideração em relação à formação deste professor mediador. Precisamos garantir que os cursos de formação de professor garantam a cadeira de literatura infantil e juvenil como parte dos currículos regular, seja nos cursos de nível médio, seja nas faculdades de Letras, Pedagogia e Biblioteconomia. Só depois que nossos futuros professores estiverem formados qualitativamente em relação à literatura infantil e juvenil, poderemos falar em uma formação continuada.
Nossa sugestão para um primeiro passo nessa direção é a elaboração de uma espécie de guia, manual, ou seja lá o nome que vamos dar a este material, que traga novas diretrizes para os professores e bibliotecários. Esse material seria organizado pelo MEC em parceria com o MINC. Essa parceria marcaria um avanço para o trabalho com a literatura nas escolas, uma vez que deixaria claro que Educação e Cultura estão andando de mãos dadas. Fato inédito, uma vez que livro está ligado à educação quando deveria estar ligado também à cultura. Este guia destina-se à distribuição em todas as escolas publicas do país. Juntamente com esse material, é importante que chegue à escola um profissional especializado com a função de capacitar TODOS os professores da escola, de todas as matérias, garantindo assim que material e proposta não se percam no meio das burocracias escolares.
O material que propomos deve mostrar de modo claro que, para garantirmos que o leitor vá além do ambiente escolar, ele precisa gostar de ler. Não podemos continuar perdendo aquele leitor maravilhado da infância. Não podemos perder o encantamento que tínhamos quando crianças e descobríamos as histórias que nos fascinavam. Não nos era cobrado “achar” nada, apenas sentir. O guia também deve deixar claro que literatura não foi feita para ser dever e nem ser cobrada de forma autoritária e limitadora. Por outro lado, deve permitir que cada leitor aprenda a ter vez e voz ao ler um livro. Ter opinião, ter o direito de não gostar de um livro, mas, sobretudo, aprenda a ser um leitor crítico. Pode parecer uma idéia simplista, mas se os professores e bibliotecários trabalhassem de forma apaixonada em relação aos livros, teríamos meio caminho andado. Se lessem com amor metade do trabalho já estaria pronta.
É preciso ler para trocar idéias, para debater, para falar da vida, ou mesmo para ficar em silêncio, se assim desejarmos. Ler pelo prazer de ler uma boa história ou pelo seu encantamento. Isso, de um modo geral, só existe até o quinto ano do ensino fundamental, onde os professores ainda valorizam o lúdico e o imaginário. A partir do sexto ano aparentemente some o lado lúdico, artístico, criativo, e a literatura vira uma obrigação chata e enfadonha. O aluno acaba por ser afastado dos livros. Por outro lado, quando lhe são oferecidos espaços interessantes e mediadores comprometidos com o livro, tudo ganha novas cores. Queremos esse encantamento como regra e não como exceção.
Já está mais do que na hora de resgatarmos nossa voz, outrora perdida nos bastidores da ditadura, e permitirmos que as histórias ganhem vida e que alunos e professores possam ter sentimentos e sonhos. É preciso resgatar e garantir o espaço da emoção e da opinião dentro da escola. Vivemos em uma época onde é possível – e necessário – pensar, ter idéias e senso crítico, mas o que nos parece é que a escola, na medida em que os anos avançam, faz as pessoas perderem sua voz e sua criatividade. Como professores podem ser criativos se eles próprios perderam sua criatividade e sua voz critica? É preciso resgatar a auto-estima do professor e lhe dar espaço para atuar de forma qualitativa. É preciso fazer com que todos na escola se sintam capazes de trabalhar com o texto literário. E para isso é preciso encantar professores e/ou bibliotecários: estes mediadores de leitura. Em primeiro lugar, eles precisam criar um acervo literário pessoal para serem capazes de dialogar com os livros e com os alunos. Os professores precisam ler, sonhar e se apaixonar pela literatura para começarem a transmitir essa paixão para seus alunos.
O que queremos? Um leitor robotizado? Que saiba decorar capítulos e depois tenha raiva dos livros? Ou um leitor que saiba mergulhar nas páginas de um livro e fazer pontes com outras histórias; que goste dos livros fora do ambiente escola/obrigação?
Nós queremos um leitor do mundo, um leitor para o resto da vida, que saiba ir a biblioteca, que goste de ir à livraria comprar seus livros preferidos e saiba dialogar sobre as histórias. Que tenha senso crítico para avaliar a qualidade literária de uma obra. Mas isso só será possível lendo e tendo espaço para pensar.
A literatura precisa ser tão valorizada quanto qualquer outra disciplina. Por que baniram a literatura das escolas? Será que não era mais útil ter literatura nas escolas? Por que será que isso aconteceu? Será por que a literatura é capaz de fazer as pessoas terem senso crítico e entrarem em contato com os grandes questionamentos humanos? Será que é porque a literatura é capaz de suscitar o sonho, o delírio, o encantamento, o novo? Por que não baniram a matemática? Ou a física? Quem sabe a geografia? Por que logo a literatura? Certamente porque ela é capaz de mexer com nossas emoções mais profundas, e a instituição escolar, por natureza, tem sido ao longo dos séculos um espaço da ordem, do ortodoxo e não do paradoxo.
Para garantir que esse leitor se complete (vamos entender leitor no sentido mais amplo: alunos, professores, pais, bibliotecários) será preciso também garantir a biblioteca escolar como um espaço valorizado dentro das escolas. Não é mais possível ver uma escola deixando suas bibliotecas fechadas ou que não permita o acesso dos alunos aos livros. Também não é mais pensável que o bibliotecário, ou quem for responsável por este espaço, seja um profissional sem qualificação adequada, alguém com problemas de saúde ou “encostado”, aguardando apenas o tempo para requerer aposentadoria. Certamente esse profissional sem compromisso não será um mediador ideal. Não fará a ponte entre livros e jovens.
Engraçado pensar que em um país como o nosso as escolas escolham seus piores profissionais para cuidar de um espaço que deveria ser o seu recanto mais importante. A biblioteca escolar deveria ser vista como o coração da escola. E, em sendo coração, merecer cuidados especiais. Se um coração pára de funcionar o corpo morre. O coração das escolas vem morrendo há muitos anos e não tem sido feito muita coisa. Por isso, é preciso tomar uma atitude urgentemente.
O MEC vem comprando livros através do PNBE e distribuindo um acervo de qualidade para as bibliotecas escolares, mas só isso não garante que os livros cheguem aos alunos e muito menos que estejam sendo aproveitados na formação de um leitor. Nós, autores que viajamos por este Brasil afora, somos testemunhas da realidade em que se encontram muitas bibliotecas escolares, não raro fechadas, trancadas ou inexistentes. Não podemos mais permitir que os livros cheguem às escolas e não saiam das embalagens por medo de sujar ou rasgar. Por que não se pode oferecer aos jovens uma biblioteca de qualidade? Claro que é possível. Os livros já estão chegando, o que nos resta agora é garantir um trabalho de formação de mediadores de leitura, assegurando este espaço especial para o livro. Esse espaço onde todos os profissionais de uma escola acreditem e estejam comprometidos com o livro e com a leitura, sobretudo a literária.
É claro que sabemos que em uma biblioteca escolar deve existir uma diversidade de suportes textuais, é preciso ter jornais, livros de referência, dicionários, mas é preciso garantir o livro literário, pois só nos livros de literatura encontramos os paradoxos da vida, uma vez que “a leitura tem o poder de despertar em nós regiões que estavam adormecidas”, como nos diz Michèle Petit. Por que a instituição escolar ainda tem tanto medo do sonho e do imaginário?
Bem, fato é que sabemos o que não funciona mais e o que é preciso fazer. A pergunta então é: o que será feito a partir de agora? A partir deste momento, onde grandes autoridades brasileiras do mundo da leitura estão reunidas, para tomar uma atitude em prol da necessidade de garantirmos um espaço especial para a literatura nas escolas, bem como a biblioteca escolar, ou um espaço onde se possa viabilizar o acesso aos livros e a formação de um mediador apaixonado por literatura.
Mas, sobretudo, não podemos nos esquecer de uma coisa. Precisamos garantir o espaço para a literatura em pé de igualdade com as outras matérias consideradas fundamentais. Será que estudar a alma humana não é fundamental? Será que uma formação mais humana não seria uma saída para a questão da violência no Brasil? Uma formação capaz de formar filósofos, escritores, pintores, músicos, artistas de um modo geral; e esta formação estivesse em pé de igualdade com as outras carreiras mais científicas. Será que um bom cientista não precisa de um q de imaginação, de sonho e devaneio para avançar em suas pesquisas?
Já passou da hora da escola saber dar voz à emoção tanto quanto ela dá voz à razão. Não se pode mais ter medo daquilo que não é mensurável. E a literatura certamente não foi feita para ser medida, dirigida ou tratada de forma utilitária. Isso não forma leitor. Se continuarmos a fazer o que sempre foi feito talvez não percamos aquele aluno leitor que goste de ler por uma característica pessoal, mas cabe a escola fisgar aqueles que ainda desconhecem o poder encantatório que uma boa história pode nos proporcionar.
Literatura deve fazer parte da vida de todas as crianças e jovens de forma a permitir esse verdadeiro encontro do leitor com o texto. Se quisermos formar leitores de verdade, e não leitores robotizados, é fundamental mudar a postura a partir de agora e reformular as práticas de aproximação dos alunos com os livros, principalmente a partir do sexto ano e no ensino médio. Não se pode tratar a literatura só como história da literatura e afastar os alunos da experiência de encantamento que os bons textos podem proporcionar. Precisamos garantir um espaço de magia com as histórias, de deslumbramento, de descobertas. Mas para isso é preciso que exista sabor. Devemos aprender a saborear um texto como quem saboreia um chocolate ou um gostoso beijo. Afinal, sabor e saber são suas palavras que se criaram no mesmo berço.
Para finalizar queremos dizer que acreditamos que escolas, professores e bibliotecários são capazes de transformar esta realidade tão dura que está aí. Mas é preciso tempo. Não são frutos a serem colhidos em um ou dois anos, mas a longo prazo. E é preciso começar agora e assegurar a continuidade de um novo programa de leitura no país. Um programa capaz de formar leitores críticos, apaixonados por histórias e capaz de diminuir a violência em nosso país. Precisamos de um programa que eduque nossos jovens a descobrirem que ir a biblioteca se aprende na escola. Numa biblioteca que não pense só nos livros, mas nas pessoas.
Queremos um leitor que não se perca ao longo dos anos. Um leitor que tenha vez e voz. Um leitor que tenha um espaço especial para a literatura na escola. Para nunca mais perdemos aquele leitor apaixonado e encantado da primeira infância.

Nenhum comentário:

Postar um comentário