sexta-feira, 12 de abril de 2013

SP: Pé de meia literário (21)



O QUE CABE EM UMA SALA DE LEITURA? 

(Ainda a propósito dos 30 anos do programa de Sala de Leitura)

O título deste texto sugere uma pergunta. Ou uma exclamação. Ou ainda uma afirmação. Será? Pode ser. Ou talvez (não) termine com reticências... Prefiro esta última alternativa.
Reticências, pensando com os neurônios gramaticais, indicam “interrupção do discurso, da fala, do pensamento...”. A interrupção, pensando com os neurônios da Psicologia, nunca é um ato final e, dessa forma, abre uma janela para o infinito. Assim, o título que melhor cai bem é este: “O que cabe em uma Sala de Leitura...”
Começo imaginando que em uma Sala de Leitura cabe tudo o que está do lado de fora de suas paredes.
Como, por exemplo, as perguntas. Muitas delas. Todas adjetivadas: perguntas incultas, populares, destrambelhadas, malucas, sinceras, receosas, confusas, objetivas, irônicas, retas e tortas, curtas e secas, guardadas, escondidas, envergonhadas, cansadas, espertas... E, claro, as perguntas bestas (qual o problema com a pergunta besta?). Paulo Freire passou anos nos ensinando sobre a importância das perguntas na educação (e, portanto, na vida!!). Uma pergunta bem perguntada é metade do caminho para as respostas. Ou então, uma pergunta bem perguntada, desperta múltiplas respostas, algo que é sempre melhor do que o pensamento único. Quantas vezes, leitores atentos não se pegaram perguntando se “Capitu realmente havia traído Bentinho”. Nesse e em outros tantos casos, as perguntas são mais interessantes do que as possíveis respostas. Respostam brecam e as perguntas aceleram.
Em uma Sala de Leitura cabem também as formas do silêncio. Silêncios inquietantes, contemplativos, reflexivos, profundos, superficiais, amenos, ligeiros, andarilhos, alegóricos, pleonásticos ou... simplesmente os silêncios mais simples. Nos silêncios, aqueles que começam no brilho dos olhos e caminham até os nós e apertos do coração, cabem os ditos, os não ditos, os provérbios, os verbos e os editos. Cabe o desvio das entrelinhas; cabe o jeito de dizer sim dizendo não; cabe o olhar que pergunta, sem nada dizer; cabem a voz emudecida vazada de espanto e a voz aquecida pelo calor da descoberta. E cabe o abraço do encontro, embora o poeta tenha nos alertado dos tantos desencontros vida afora. Talvez porque deva ser no silêncio que se constrói a perspectiva do reencontro.
Penso também que em uma Sala de Leitura cabem fotografias. Fotografias de instantes alegres ou tristes, leves ou pesados, dos modos de vida descritos pela narrativa ou narrados pela descrição da galeria das personagens tantas e muitas e todas. Fotografias de fadas que lembram a realidade; fotografia de monstros que sacodem nosso cotidiano; fotografias de aventureiros que insistem em mostrar outros caminhos; fotografias de piratas que sucateiam nossa imaginação nada ousada, de caçadores que fervem corações em caldeirões desanimados e de bruxas que saqueiam nossas ilusões. Cabe, sem dúvida, fotografia de anões blindados, menores do que suas microcâmeras digitais, que nos ensinam que fotografar a realidade, sob qualquer ângulo, é tão bom quanto fotografar  o mais escondido dos nossos guardados impenetráveis. Revelar fotografias é dar vida à vida.
Em uma Sala de Leitura, cabem, também e certamente, os muitos saberes. Desde os populares, estampados nos ditados da boca do povo, até os mais elaborados. Os saberes poéticos, os saberes filosóficos, os saberes literários, os saberes corriqueiros. Os saberes que entraram e ficaram em nossas vidas e os saberes descartados, à espera de outras formas de significação. Saberes que norteiam rumos e que desnorteiam sentidos; saberes que oferecem portos de seguranças e saberem que tiram os pés do chão. Saberes que desvelam a lucidez da emoção e nos põem a caminho da Pasárgada pessoal de cada um.
Ah, antes que me esqueça, na pressa de acomodar as amarrações finais desse texto: em uma Sala de Leitura também cabem leitores, estantes, livros, jornais, revistas, vídeos, CDs, computadores, mesas, cadeiras... E tudo o mais que o sonho, a vontade e o prazer de fazer a própria história assim disponibilizarem.
Leitores são a versão mais moderna de encantadores do mundo.

Sampa, abril de 2013


Edson Gabriel Garcia
Escritor e Educador

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