sexta-feira, 29 de abril de 2011

SP: Quintas (54)

A FLOR DO SÁBADO CHUVOSO


A flor do sabugueiro. Essa flor eu vi. O branco enfeitando em arte a árvore. O coração chora às vezes, e quando isso acontece alcança a poesia que dança ao redor, que esteve desde que me tornei assim.

A flor, sábado de chuva, pleno outono, tempo que escorre, o pensamento fora da atenção repousa. Talvez a vida pudesse ter por outros rumos vagado. Quiçá coisas diferentes quisesse ter oferecido - me, mas eu que desde cedo a perder as chances que ela na beira da estrada põe, aprendi.

A olhar o velho caminhando compreendi, e também a insensatez de se decorar as cores do arco-íris no ausente. Das pedagogias sem alma a inutilidade na decoração do vazio se expressa.

Quisera estar num curso universitário aquilo que só se aprendia diante das crianças da EMEF “Jardim Vila Nova”. Só sei escrever o que vivo!

No meu país tão lindo a alma é maltratada. Se a chuva pudesse lavar os olhos de fuligem o homem então veria como se fosse um poeta o riso das crianças a nos oferecer a salvação.

Que os políticos se quedem a desmantelar o que possa ainda a existir de dignidade, e que Ney Matogrosso continue a cantar.

Tudo o que necessito está no coração que chora às vezes, e se a poesia se tornar inalcançável, será por minha máxima culpa, que me pus em medo, pelo acúmulo dos dejetos mentais que se infiltram em nosso pensamento, outrora límpido, vigoroso, repleto de bondades, mas depois, pelos emaranhados da vida se enfraquecendo.

Olhar o velho caminhando, o seu rosto em fibras, e as crianças que correm nas ruas, na distância dos gabinetes técnicos e da luta política pelos poderes: tanta vida vã, tantas ilusões substituindo a única felicidade possível: a do recolhimento para a busca do simples.

A flor do sabugueiro que por acaso vi quando retornava do Jardim Vila Nova, a flor da vida vivida, que longe da inútil fúria dos que desconhecem a primazia das crianças sem almoço, desabrocha: edifícios erguidos na argamassa da retórica, políticos que envergonham a nação que em mim pulsa.

É preciso o olhar poetizado para que o encontro se manifeste na explosão da alegria frutífera, não apenas de desfrute, mas que seja o outro lado do sofrimento e da dor, aquela que poderá significar aprendizagem. Essa é a verdadeira alegria, sinônimo de felicidade. A alegria da produtividade, a frutífera. Olhar poetizado é o resgate do menino, da criança, é o olhar da morada da poesia, onde, entre outras coisas, dos animais não seja roubada covardemente a possibilidade da vida em plenitude.

Deixe os políticos lá fora!

O pensamento originalmente repleto de bondade, de felicidade de lápis de cor, deve ser com persistência buscado, cicatrizado, o peso da sua transformação na vida sem autenticidade, que na busca do bem longe do essencialmente simples se agigantou: tal peso deverá ser esfarelado e se dissipar como fiapos de fumaças num final de tarde de fogueira morrendo.

E ele há de surgir glorioso, e o olhar poetizado será a bússola a descrever o arco-íris autêntico, e a flor do sabugueiro será tão importante quanto as crianças do Jardim Vila Nova, acima dos poderes da política.

MARCIANO VASQUES


Um comentário:

Regina Sormani1 de maio de 2011 10:03
Parabéns, querido amigo poeta!
Bjão,
Regina Sormani

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