sexta-feira, 16 de julho de 2010

SP: Quintas (19b)

Marciano Vasques
   
VIDA É ALGO MAIOR


Vida é feita de acúmulo cultural, resíduos poéticos que ferem como fiapos luminosos.

Terá a minha vindo do eucaliptal? Terá começado com o menino franzino que corria da chuva numa tarde que não partiu da minha memória?

Terá começado com a distinção do apito do trem na madrugada de febre?

Apito que devia ter sido recolhido e guardado  feito documento sonoro da memória do Brasil, como a voz de Catulo da Paixão Cearense, como as onomatopeias da infância. Há sons que só a criança ouve. Voa borboleta!

E assim sou memória também. O olhar distante do meu pai, a sua impenetrável solidão. Que homem pode ter havido mais solitário em minha infância? Ele também era feito de memória. Memória que não cabia na casa, que se  estendia na varanda, se espichava na rua, desaparecia na poeira ou na neblina.       

Teci os caminhos, entrei neles com a teimosia encravada na alma, tal como o pássaro que fincou o espinho no peito, naquele conto que eu lia numa noite chuvosa.

Aprendizagem se faz na vida, recolhendo retalhos, rostos, restos, rastros, mágoas cerzidas. Há muito de Paulo Freire na vida de cada um, mesmo que ninguém repare. Precisaríamos de muita reparação.
No dia em que Patativa do Assaré partiu eu escrevia, penso que talvez tenha escrito todos os dias...

Como a vida é literária! A cada dia, a cada manhã, em todos os momentos...Na viela, nos varais, na velas, nos vilarejos...A literatura pulsa esperando ser recolhida.

Prestem atenção nas oportunidades que recusei, que joguei fora. Elas dizem muito sobre a pessoa que eu sou. Oportunidades que eu desprezei, das quais consegui me livrar, facilidades, ilusões. Como me orgulho disso!

Que vida!

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